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Em workshop pioneiro, SBOC lidera debate para uma oncologia mais diversa e inclusiva Destaque

Notícias Sábado, 19 Julho 2025 18:39

Em uma ação pioneira, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica realizou, neste sábado (19), na cidade de São Paulo, o Workshop Diversidade na Oncologia, dando início a um importante movimento para a especialidade. O evento foi dedicado a refletir, dialogar e construir caminhos práticos para um cuidado mais acolhedor e eficaz para pacientes de grupos historicamente minorizados.

O encontro reuniu um público diversificado de oncologistas, gestores, pesquisadores, especialistas em diversidade, profissionais da saúde e representantes das populações negra, LGBTQIAPN+, indígena e de pessoas com deficiência (PcD).

Mais do que apenas reconhecer disparidades, o workshop buscou estimular uma construção coletiva para superar algumas das barreiras que esses segmentos da população enfrentam, desde a desconfiança no sistema de saúde e dificuldades de comunicação até a invisibilidade em dados de pesquisa clínica e protocolos de tratamento.

“Este evento é um momento para celebrar conquistas que já aconteceram, escutar diferentes perspectivas e construir o futuro”, apontou a Presidente da SBOC, Dra. Angélica Nogueira. “A SBOC tem a diversidade como ponto inegociável, tendo criado, em 2020, o Comitê de Lideranças Femininas e, em 2022, o de Diversidade – grupos que estão trabalhando continuamente para que haja equidade de representatividade”, completou.

Reconhecendo o protagonismo da SBOC ao liderar essas discussões, o Presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Dr. César Eduardo Fernandes, também esteve no evento. “A SBOC é uma parceira crítica e valiosa, engajada nas principais lutas pela defesa da boa assistência à população. A AMB irá multiplicar o exemplo da SBOC para as demais Sociedades de especialidades”, disse.

Coordenador do Comitê de Diversidade da Sociedade, Dr. Jessé Lopes, definiu o Workshop como um espaço de letramento e de discussão para buscar soluções para a realidade das populações vulneráveis da sociedade em relação a acesso, tratamento e toda a jornada dos pacientes oncológicos. “Esperamos que essa seja uma iniciativa que continue crescendo e ganhe cada vez mais espaço, sendo perpetuada em outras entidades médicas e na área da saúde”, adicionou.

Para garantir o dinamismo, a programação do evento foi dividida em duas fases, combinando palestras e atividades em grupos. A manhã foi dedicada ao aporte de repertório para os presentes, com uma imersão em realidades de comunidades distintas, mediada por consultores especializados em temas de diversidade e educação de adultos.

Conexão com diferentes realidades

O primeiro palestrante foi Dr. Ricardo Sant’Ana, enfermeiro associado à SBOC e especialista em sexualidade humana, trazendo aspectos da realidade da população LGBTQIAPN+. Ele se dedicou a abordar detalhadamente as diferentes orientações, identidades e expressões de gênero, mostrando como a saúde de cada um desses espectros pode ser impactada durante o tratamento oncológico.

Por exemplo, pacientes mulheres trans têm riscos relacionados ao acesso negligenciado a exames e mamografias. Muitas vezes, o uso incorreto do nome social e o ambiente pouco acolhedor podem ser barreiras para essas pessoas buscarem atendimento, explicou o enfermeiro.

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Na sequência, quem falou foi Dr. Júlio César de Oliveira, especialista em clínica médica e cofundador do Race.ID - Grupo de Pesquisa em Saúde da População Negra na Faculdade de Medicina da USP. Ele analisou o racismo sobre os aspectos estruturais, institucionais e interpessoais e como isso afeta o desfecho clínico de pacientes.

Depois de apresentar dados que apontam maior taxa de mortalidade e menor sobrevida em câncer na população negra, ele apresentou um contraponto: “Será uma questão biológica? Estudos que tiram barreiras sociais e de acesso, com contexto no qual brancos e pretos são tratados da mesma maneira, apresentam desfechos clínicos iguais para as populações”.

Ele também lembrou que embora de 2010 a 2023 tenha praticamente dobrado o número de matriculas em medicina de alunos pretos e pardos, a proporção dessa população pouco avançou: de 28% em 2010 para 29,2% em 2023. “Só vamos ter diversidade quando tivermos equidade. Se tivermos poucos oncologistas pretos, teremos dificuldades de entender o que a população negra precisa no cuidado oncológico. E precisamos pensar no que vamos fazer sobre isso”, comentou Dr. Júlio.

Falando sobre a população indígena, Dra. Karla Maia, que atua em Santarém (PA), lembrou que o Brasil tem uma população originária diversa, com 305 etnias e mais de 270 línguas faladas. Neste universo, 45% dos indígenas do Brasil vivem no Norte.

A região, porém, tem apenas 12 Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacons) ou Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacons) – ou seja, 3% da rede especializada de alta complexidade em oncologia no país, representando mais um desafio em um tema no qual o acesso já é dificultado pela geografia e organização das comunidades.

Na tentativa de apontar diferenças epidemiológicas, Dra. Karla lembrou que os dados sobre indígenas ainda são escassos, mas apontou alguns fatos: ao contrário da média nacional, entre homens indígenas o câncer mais prevalente é o de estômago, enquanto o da mulher é o de colo do útero; além disso, crianças indígenas têm mortalidade por câncer duas vezes maior do que não-indígenas.

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A especialista ressaltou que é necessário entender as questões culturais e religiosas de cada paciente indígena. “Há tribos que não recebem de volta o membro que buscou tratamento fora Em outras, eles sentem culpa e vergonha por estarem doentes, e ocultam sinais e sintomas, o que impacta no desfecho, além das barreiras geográficas e linguísticas”, comentou a oncologista.

Por fim, João Saci encerrou o aporte de repertório abordando as populações com deficiência (PCDs). Ele próprio, aos 17 anos, foi diagnosticado com Sarcoma de Ewing e, em decorrência da doença, teve uma perna amputada. Ele trouxe aos médicos um pouco de sua visão como paciente ao longo desta jornada, ressaltando a necessidade de adaptação e acolhimento destes pacientes, que muitas vezes têm dificuldades básicas como chegar a uma unidade de saúde.

Construção coletiva

A tarde foi o momento de manejar os conceitos apresentados pela manhã, transformando teoria em ação. Os participantes se dividiram em oito grupos de trabalho e cada um deles se debruçou sobre uma etapa crítica da jornada do paciente – como rastreamento, acesso, tratamento, pesquisa e educação profissional.

Os participantes foram guiados por facilitadores e por membros do Comitê de Diversidade da SBOC para mapear desafios e idealizar soluções inovadoras. Depois disso, foram apresentados resultados e discussões sobre as estratégias propostas por cada grupo.

"Hoje é um dia histórico para a SBOC. Precisamos agradecer a Dra. Angélica Nogueira e a diretoria e equipe da Sociedade por tornar isso possível. Desde 2023, entre idas e vindas, estávamos encontrando o melhor formato para este evento, que hoje se tornou realidade", sintetizou Dr. Rodrigo Guedes, diretor da entidade e liaison do Comitê de Diversidade.

Com base nos aprendizados do workshop, o projeto seguirá com a produção de uma série especial de podcasts e com o desenvolvimento do primeiro Guia da SBOC voltado à assistência oncológica dessas populações. O lançamento desse guia está previsto para acontecer durante o XXVI Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, que acontecerá de 6 a 8 de novembro, no Rio de Janeiro (RJ).

Última modificação em Sábado, 19 Julho 2025 20:02

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