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Perfil: A melhor versão de José Bines

Notícias Sexta, 23 Novembro 2018 15:08
Foto: Celso Pupo Foto: Celso Pupo

Uma das condições para que o Dr. José Bines assumisse, recentemente, um cargo de gestão em uma grande rede de oncologia foi justamente continuar no Instituto Nacional de Câncer, o INCA. “É uma ligação profissional e afetiva”, define. De seus 53 anos de vida, já são 20 dedicados à instituição pública, onde atua como oncologista, preceptor e pesquisador na área de câncer de mama. Seus números são de alguém que se tornou referência. No ResearchGate, rede social que aproxima cientistas, tem 73 trabalhos registrados, 3,1 mil leituras e 2,5 mil citações. Em suas conexões, aparecem médicos do mundo inteiro. No INCA, também fez escola, ajudando a formar gerações de oncologistas. Quando um novo paciente diz que ouviu falar de sua competência, o coração se enche de orgulho e ele responde que espera corresponder às expectativas.

Isso já aconteceu alguns milhares de vezes, sem exagero. Com uma média de 30 por semana, o médico seguramente já ultrapassou a marca de 24 mil consultas. Dar o melhor de si tem sido a tônica da sua atuação. E é esta superação diária que ele aponta também como seu legado. Desde a sua entrada no mundo da pesquisa, o olhar diferenciado sobre informações já disponíveis traduziu-se em um trabalho inovador. “Foi um artigo de revisão a respeito de menopausa precoce e infertilidade em mulheres jovens, publicado em 1996 no Journal of Clinical Oncology, e que é citado até hoje”, lembra com carinho. Ele era assistente de uma pesquisadora e acabou fazendo o trabalho para auxiliá-la, ainda sem dimensionar à época a potencial repercussão deste tipo de iniciativa.

O resultado positivo o conquistou para a pesquisa. No Congresso deste ano da American Society of Clinical Oncology (ASCO), por exemplo, apresentou um trabalho de novo inteiramente desenvolvido no INCA cujos benefícios demonstrados não representam nenhum acréscimo de custo ao tratamento.

O estudo clínico de fase 2 NeoSAMBA – sim, o nome é uma homenagem ao Rio e ao Brasil – seguiu 120 pacientes com câncer de mama por cinco anos. Ficou sugerido que tratá-las primeiro com taxano e depois com antraciclinas – e não o contrário, como era o padrão anterior – traz ganhos significativos de sobrevida livre de progressão e, principalmente, de sobrevida global. “Me encanta fazer melhor com o que a gente já tem”, compartilha. “Na saúde pública, obviamente a limitação de recursos nos estimula a isso constantemente. Mas, em âmbito privado, também existe uma discussão importante por conta dos altos custos da oncologia e é extremamente válido termos essa mentalidade”, incentiva.

Verdades passageiras

Bines é carioca e sempre morou na cidade de Tom e Vinícius. Fez a faculdade de medicina e a residência em Clínica Médica na Universidade Federal do Rio de Janeiro e seguiu para os EUA. Ficou seis anos em Chicago, entre a Rush-Presbyterian-St. Luke’s University e a Northwestern University, onde se especializou em oncologia.

O desafio de tratar pessoas com doenças graves e poder oferecer-lhes melhor qualidade de vida a partir dos avanços da ciência foi o que o atraiu para a Oncologia. “É uma especialidade nova, que requer muito estudo e vem a todo momento se modificando”, define. “Em Oncologia, as verdades são passageiras; não há monotonia.”

Há duas décadas, ele voltou ao Brasil com uma proposta de atuar no INCA. Iniciou sua prática privada um ano depois. As mudanças do mercado e a possibilidade de trabalhar em um centro que oferece todos os profissionais e recursos para o tratamento dos pacientes oncológicos em um só lugar o convenceram a assumir, em 2018, a liderança da oncologia na Clínica São Vicente, que pertence à Rede D’Or. Mas continua firme e forte no INCA, fazendo a sua parte e sonhando que a instituição recupere solidez e recursos, com melhor gestão e mais pesquisa.

O Dr. José Bines conta que já ocupou cargos de chefia lá, mas há tempos prefere enfocar suas atividades na assistência, na preceptoria e nos estudos clínicos. “Faço meu trabalho desvinculado das questões políticas das quais a instituição acaba sendo vítima. Dessa forma, tenho mais autonomia para manter esse vínculo ao longo dos anos.”

Ele lembra, com satisfação, que o INCA foi pioneiro ao adotar a concepção de prestar atendimento completo aos pacientes sem necessidade de deslocamentos e favorecendo o acompanhamento multiprofissional. “Esse modelo facilita a vida do médico também; é um cenário mais favorável dada a complexidade da doença”, defende. Outro marco profissional apontado pelo oncologista foi a fundação do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM), em 2005, o primeiro da sub-especialidade em um país.

Da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), como associado espera uma atuação sempre firme para ampliar as discussões em torno de acesso dos pacientes ao diagnóstico e ao tratamento. “A Sociedade é o que os membros são; assim, deve refletir no âmbito coletivo o que cada médico faz individualmente, que é brigar pelo melhor para os seus pacientes”, afirma. Julga que envolvimento e representatividade são essenciais para que este papel seja bem cumprido, com especial apoio aos serviços públicos de saúde, onde estão 75% da população brasileira.

Dar de volta

A premissa de retribuir para a sociedade parte dos benefícios que ele próprio recebeu ao formar-se em instituições públicas despertou também em Bines o desejo de ser um elemento multiplicador de conhecimento e de atendimento de qualidade. “É muito importante para mim o contato com os residentes e pessoas em aprendizado de maneira geral”, valoriza. “Sinto que consigo transferir a minha bagagem e eles poderão também passar tudo isso adiante.” Este entusiasmo faz com que, frequentemente, seja convidado para conversar com jovens oncologistas sobre escolhas, carreira e satisfação profissional e pessoal. “Mostramos um pouco da nossa vivência e os caminhos que consideramos os melhores a seguir e a não seguir”, pontua. “Em relação a alguns talentos dos quais pude ser mentor até hoje, o que fiz foi basicamente não atrapalhar o caminho deles”, brinca.

Bines tem consciência de que poucos profissionais da Oncologia permanecem em instituições públicas por longo tempo, diante de tantos entraves e empecilhos que acabam repelindo a maioria. No entanto, considera-se realizado com a sua trajetória até aqui. “Trabalhar no público e no privado proporciona uma vivência muito rica. Se você consegue aproveitar o que há de melhor em todos os cenários, colocar o peso certo, valorizar o que funciona, sente-se completo”, finaliza.

Última modificação em Sexta, 23 Novembro 2018 19:12

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